O Exercício da Plena Cidadania no Brasil: Um Direito ainda em Construção.

Claudio Ramos. Cientista Político.

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A Cidadania e os Direitos do Cidadão

A cidadania costuma ser entendida, em seu conceito ampliado, como um conjunto de direitos e deveres dos indivíduos que vivem em  sociedades organizadas.  Abrange normalmente, três aspectos da vida do cidadão: civil, político e social. É interessante observar que durante os períodos  eleitorais,  expressões  como “cidadania” ou “direitos do cidadão” têm uma inusitada relevância, fazem parte de discursos inflamados e até de propagandas eleitorais gratuitas, embaladas pela ênfase retórica  e pela paixão momentânea de alguns candidatos ou partidos. Passadas as eleições, as mesmas palavras caem em desuso, entram como que num  ostracismo inexplicável ou mesmo numa hibernação eleitoral, até que sejam recrutadas novamente.

A Construção da Cidadania Brasileira

A cidadania brasileira tem sido pesquisada por  muitos estudiosos da Sociologia Política como Teresa Sales em seu artigo Raízes da Desigualdade Social na Cultura Política Brasileira e por pensadores como Oliveira Viana, quando trata da cidadania concedida, em alusão ao poder de dádiva dos detentores do poder político e econômico cuja base é o latifúndio  ou ainda,  os conceitos trabalhados por Murilo de Carvalho  que  defendia que a liberdade de pensamento e voto, não é,  necessariamente,  a garantia de outros direitos como, por  exemplo, saúde,  educação, segurança e emprego, o que, historicamente, tem levado o Brasil a uma cidadania inconclusa.

As bases destas afirmações  acerca da cidadania estão nas lentas e históricas conquistas do povo brasileiro, como, por exemplo,  o direito à liberdade, ligado  às nossas raízes escravocratas;  o direito à propriedade, numa sociedade dominada pelo latifúndio; o direito ao voto, apesar do  coronelismo ; o voto do analfabeto; o voto feminino;  o voto aos 16 anos de idade. Além disso,  tivemos a conquista de direitos trabalhistas obtidos na era Vargas e as garantias  individuais e  os direitos sociais assegurados pela Constituição  Federal de 1988, exatos 100 anos após a abolição da escravatura no Brasil. Enfim, à medida que a sociedade  brasileira foi se estruturando e se consolidando, vários  direitos e deveres foram, aos poucos, sendo incorporados ao dia a dia das pessoas.

Mas a pergunta que se faz é: Até quando a nossa cidadania plena permanecerá  como uma obra inacabada,  concedida e com ares de uma “cidadania inconclusa”? Pois,  alguns mais céticos veêm a cidadania plena como  algo ilusório ou  mesmo como uma peça de ficção.

O Voto Obrigatório

Acerca do direito de votar, o que se observa nas democracias mais funcionais, tais como nos Estados Unidos, Alemanha, Inglaterra, França e Itália, só para citar alguns exemplos,  o  exercício  do direito ao voto é opcional, enquanto que no Brasil,  é obrigatório desde  a Constituição de 1946. Aqui, se o eleitor não exercer esse quase direito-obrigação, estará impedido, enquanto não regularizar a situação, de  se  inscrever em concurso público; exercer cargo público; estudar em uma universidade pública, além de ficar impossibilitado de tirar a carteira de identidade ou o passaporte, além de outras sanções.

O Cidadão consciente irá votar ou não, espontaneamente, quando em sua percepção,  o momento político ou econômico, assim o despertar  e/ou  quando  os nomes  e as propostas  apresentadas pelos candidatos  ou partidos  polarizarem a sua atenção e estimularem seu posicionamento. Por isso, o voto obrigatório no Brasil, assim como em outros países da América Latina,  é uma excrescência, pois  nos enquadra como indivíduos que precisam de tutela ou  que são  incapazes de expressar sua vontade própria. Relembra-nos, ainda, o histórico e   obscuro momento político brasileiro, que tanto nos envergonha, o chamado “voto de cabresto” e a sua versão moderna, o “coronelismo eletrônico” dos grandes veículos de comunicação de massa.  Somos cidadãos, pagamos nossos impostos e  queremos andar com nossas próprias pernas e  portanto, esta questão deveria ser, com certeza,  objeto de urgente reforma política e  eleitoral.

O Cidadão Participativo

Estimulo a todos, principalmente aos jovens e adolescentes e às pessoas de bem, a não se afastarem do processo político. Pois, a Política exercida como vocação e  com honradez, irá  promover, motivar e estimular a participação popular, livre, soberana e,  mesmo com a adoção do voto opcional, será um voto responsável, dando um atestado de nossa maturidade política e democrática. E,  apesar de tudo, defendo que a ética na política é  um caminho seguro na busca do bem comum!

3 respostas em “O Exercício da Plena Cidadania no Brasil: Um Direito ainda em Construção.

  1. É impressionante como ainda vigora essa excrecência do sufrágio obrigatório. A impressão que eu tenho é que se trata de uma reminiscência do antigo voto de cabresto pois o cidadão sendo obrigado a votar provavelmente deverá escolher alguns dos “candidatos” em vez de votar nulo e, apesar de não mais haver showmícios, ainda há formas de direcionar os votos para os mais afortunados como pesquisa Data “venia”, Datafolha e por aí vai. Ainda há compras de votos por exemplo e como nesse momento importantíssimo para o país o cidadão tem que ir às urnas exercer o seu direito “one man, one vote” a maioria sempre elegerá os que detêm os meios de produção:os ricos, os apoiados por narcotraficantes,´por, empresários corruptos,e por banqueiros. Eventualmente elegem alguém sem “capital político” mas que fez um bom trabalho em sua comunidade e tallvez faça algo de bom no Legislativo para seu povo sem que seja corrompido pelo “Sistema”. Penso que todos devem ter o direito de votar mas o sufrágio deve ser facultativo para que apenas aqueles que possuem consciência política exerçam esse sagrado direito. Acredito que só assim conseguiremos eleger pessoas mais comprometidas com o país e com seu povo. Até correria o risco de dizer que apenas pessoas com nível cultural mais alto votariam mas incorreria em erro porque consciência política não tem relação direta com estudo. Basta lembrar o caso da eleição do Deputado Federal mais votado à época, o ex-Senador ARRUDA, logo depois de ter renunciado ao mandato por violação do painel eletrônico e ter protagonizado uma das cenas mais patéticas da política ao dizer que não viu a lista, viu mas não leu, jurou por tudo que existe e foi desmoralizado. A punição de alguns dos eleitores mais politizados do Brasil: o político mais bem votado!
    ?Quo usque tandem abutere, Catilina, patientia nostra?

    • Ronnie, a conscientização das pessoas a acerca do valor do voto é um processo que envolve uma cultura que vem desde a colonização e que foi sempre baseada no mando dos detentores do poder político e na subserviência resignada do cidadão. Por isso, todo trabalho que realizarmos nessa área levará um tempo para que possa ser absorvido pelo cidadão brasileiro, o que não dever servir de desestímulo em nosso esforço cotidiano.

    • Caro Ronnie,

      DEMOCRACIA é a participação do povo (de todos) no processo de poder (através da escolha dos mandatários), ainda que tal participação precise ser garantida de forma obrigatória (obrigatoriedade do voto).
      Se há participação de todos, é Democracia, se não há participação de todos, não é ou tende fortemente a deixar de ser Democracia!

      “A participação dos cidadãos no dia a dia da política é tão importante para a democracia que justifica até mesmo o voto obrigatório”. (Francis Wolff – Filósofo Político).

      Quando o administrador público tem o poder de tomar certa ação, pela prerrogativa que lhe é concedida, mas ao mesmo tempo o dever de tomá-la, sob pena de responsabilização, dizemos que há um poder-dever do administrador.

      O Voto, de maneira análoga, tem dupla caracterização: é um direito-dever.

      É direito porque conquistado nas lutas por democracia, contra a tirania, inclusive com derramamento de muito sangue, suor e lágrimas, e porque nenhum governo ou autoridade democráticos tem competência para negá-lo ao seu titular.
      É dever porque cada cidadão precisa ter a responsabilidade para com a coletividade de escolher seus mandatários, sendo obrigado a exercer seu direito (querendo ou não), para não penalizar ao sacrifício a democracia.

      O voto facultativo, mesmo em sociedades muito mais avançadas que a nossa quanto à educação e consciência políticas não tem se mostrado (no tempo) capaz de garantir a manutenção da democracia. Muito ainda teríamos que investir em educação de base (principalmente para a cidadania) nesse nosso país continental para que se pudesse sequer cogitar a possibilidade de retirar tal obrigatoriedade.

      Você mesmo que diz: “que todos devem ter o direito de votar mas o sufrágio deve ser facultativo para que apenas aqueles que possuem consciência política exerçam esse sagrado direito”; Haverá de concordar então que primeiro é necessário investir nessa conscientização política (que só pode vir através da educação de qualidade para TODOS) antes de tornar o voto facultativo.

      Veja mais sobre A importância da Obrigatoriedade do Voto:
      http://amilcarfaria.blogspot.com.br/2012/10/a-importancia-da-obrigatoriedade-do.html

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