O povo nas ruas, o cenário de um novo tempo
As recentes manifestações de rua, por todo país, têm demonstrado a força do povo brasileiro. Um povo que, movido por sua extrema indignação e frustração com sua condição de vida e com os descaminhos na gestão da coisa pública, resolveu dar um basta a esse estado de coisas a que o cidadão é obrigado pelo Estado, diariamente, a suportar.
Nos cartazes exibidos pelos milhares de populares, que literalmente tomaram as ruas desse país, estavam estampadas, de forma clara, as razões de tanta revolta: a constatação de um quadro desolador e de quase mendicância das pessoas nos hospitais e postos de saúde em busca de atendimento; a insegurança das pessoas em seu direito de ir e vir ao trabalho ou, simplesmente, para desfrutar de momentos lazer com seus familiares e amigos; a baixa qualidade de ensino nas escolas públicas oferecida à população; as dificuldades na mobilidade urbana decorrentes dos caros e ineficientes meios de transporte disponibilizados ao público, além do descontentamento das pessoas com os gastos exagerados em estádios de futebol.
Entendendo as demandas populares
A pergunta que não quer calar é esta: O que realmente levou às ruas, milhares de pessoas, de todas as classes sociais? A resposta a esta indagação, vai muito além das reivindicações históricas da população para obter políticas públicas de qualidade, mas passa pelo profundo descontentamento com a classe política e com o governo, pois as pessoas não se sentem mais representadas pelos atuais representantes; passa também, pelo repúdio à corrupção e os desvios de recursos públicos que assolam todos os níveis de governos e passa ainda, pelo medo da inflação que pode retornar com descontrole, a qualquer momento. Sim, tudo isso é importante. Mas a questão fundamental, presente na origem dos protestos, passa pelo desejo dos cidadãos de serem, eles mesmos, os protagonistas de sua própria história e por não aceitarem ser apenas espectadores das decisões governamentais, cujas decisões afetam diretamente o seu dia-a-dia e impactam a sustentabilidade da vida da geração atual e comprometem a sobrevivência das gerações futuras.
A luta das ruas é, portanto, a luta por mais espaços no processo político decisório e pela conquista de voz ativa, junto aos representantes eleitos que, na prática, parecem fazer tudo diferente do que o povo realmente deseja. Isso provoca um abismo, um distanciamento das vozes advindas das mobilizações de rua, desqualificando assim , de forma avassaladora, tanto os partidos políticos, quanto a atual forma de representação. No entanto, algo precisa ser feito para direcionar e amalgamar a vontade e o clamor popular expressos nas ruas, neste momento histórico em que o Brasil vive, possibilitando o surgimento de novas lideranças com capacidade de reunir e canalizar as pautas de reivindicações, dos diferentes segmentos sociais. Assim, abre-se essa janela de oportunidade na política brasileira e que precisa ser racionalmente aproveitada, sob pena de se abrir mão de avanços e conquistas sociais importantes, em prejuízo de todos. Afinal, não se pode perder o trem da História e deixar de direcionar essas vozes que hoje repercutem no seio da Sociedade, aliás, esse é um momento único que estamos vivenciando, enquanto nação, caminho que nos possibilitará darmos um salto de desenvolvimento e de aperfeiçoamento nas relações sociais.
Como atender a vontade popular?
O questionamento que se faz é: Como capitalizar, de forma efetiva, a vontade popular da forma expressada nas ruas, em meio a tantas demandas represadas ao longo do tempo e ainda fazer frente às novas e legítimas pautas de reivindicações, mantendo-se a democracia, as instituições e as conquistas sociais e constitucionais? Penso que é necessária a consolidação desses anseios populares identificados nos protestos, por meio dos canais próprios, ou seja, o surgimento de lideranças capazes de filtrar e condensar essa vontade popular composta de vários segmentos sociais e transformá-la em um rio caudaloso, mesmo em meio à diversidade e pluralidade da sociedade, mas com base na tolerância e na convivência pacífica e na sustentabilidade, como forma de atingir a causa maior: o bem-comum, em benefício de todos.
Mas como fazer isso? Seria por meio de uma Reforma Política e Eleitoral? Plebiscito? Referendo? Projetos de iniciativa popular? Lembremo-nos que todo esse processo de ocupação das ruas foi deflagrado pela convocação da população, por meio das redes sociais, pelo Movimento Passe-Livre (MPL), para participar dos protestos e das manifestações de rua, em resposta ao aumento de vinte centavos nas tarifas do transporte público em São Paulo. No entanto, por causa da truculência policial na repressão aos manifestantes, o Movimento ganhou a adesão pública à causa e abriu o caminho para que outras demandas fossem pautadas, pelo país afora.
De tudo que já ocorreu, podemos inferir que é possível e necessária a interação da população com seus representantes e que é salutar a participação popular visando melhorias na forma de governar, de decidir os rumos da nação, no acompanhamento dos gastos públicos e na accountability das instituições e dos agentes públicos. As audiências públicas e os fóruns de debates de questões cruciais devem ser fomentados, como, por exemplo, a formulação do Orçamento Público da União e sobre a distribuição das receitas destinadas à União e os repasses financeiros a Estados e municípios. Esses repasses são feitos por intermédio dos Fundos de Participação dos Estados (FPE) e dos Municípios (FPM), para possibilitar o atendimento de políticas públicas descentralizadas, conforme definidas pela Constituição Federal de 1988, ou seja, despesas que ficaram a cargo destes entes federados. É preciso também lançar luzes sobre o pagamento da Dívida Pública, informando-se a população a que se destina a constante luta por aumento do superávit primário. Enfim, defendo o total controle social dos recursos e dos agentes públicos e o fim dos privilégios presentes nos Três Poderes da República, uma vez que também foram objeto de protestos nas ruas, bem como, o cumprimento imediato das decisões judiciais proferidas pelo Supremo Tribunal Federal na Ação Penal 470, mais conhecida como “mensalão”.
O diálogo da Classe Política com a Sociedade Civil: uma sugestão
Uma alternativa para o diálogo direto dos políticos com a Sociedade Civil, de forma segura e efetiva, poderia se dar pela consulta pública via internet, sob a supervisão e controle da Justiça Eleitoral, podendo-se inclusive lançar mão dos recursos tecnológicos disponíveis, como a certificação digital e a utilização de senha pessoal de acesso.
Essa sugestão é posta no sentido de encurtar o caminho entre a apresentação das demandas populares aos parlamentares e o efetivo atendimento das reivindicações, muitas delas presentes nos manifestos. Mas para que isso aconteça são necessárias a seriedade, a vontade e a decisão política do Estado para implementar um projeto dessa envergadura e de real alcance e apelo popular. Daqui pra frente, sabemos que o povo não quer e não vai se calar, pois ele quer ser ouvido a todo custo e ser representado, de forma ética, decente e eficaz. O povo quer exercer sua cidadania e ter parte decisiva nos espaços de poder. A intenção aqui, não é substituir os representantes legitimamente eleitos, mas aproximá-los da população, por meio de canais institucionalizados, tais como esse aqui proposto, possibilitando esse benéfico e necessário diálogo com toda sociedade. Por outro lado, os partidos políticos e os “donos” de legendas deveriam cair na real e buscarem se afinar com as vozes das ruas, abrindo-lhes espaços e vários canais de participação efetiva, pois são vozes eivadas de legitimidade.
A meu ver, somente assim, a população dará créditos às respostas do sistema político na implementação de reformas (política, fiscal, tributária, agrária, trabalhista e social), pois estarão alinhadas com o desejo popular e possibilitarão a mitigação do sofrimento da população, principalmente a mais carente. Esse seria um primeiro passo para se resgatar essa enorme dívida social do Estado Brasileiro que promove a cobrança abusiva de impostos, no entanto, sem disponibilizar aos cidadãos, o legítimo acesso aos bens e serviços públicos de qualidade e o acesso a políticas públicas inclusivas, como lhes assegura a Constituição Federal. Muda, Brasil!